“Todo homem tem deveres com a comunidade”

Declaração Universal dos Direitos do Homem

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Ruy Jobim Neto é cineasta, autor teatral e cartunista brasileiro, nascido em Canoas, RS (1965). Formado em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Tem cinco livros publicados como cartunista, todos pela Ed. Bentivegna, onde publicou tiras cômicas em revistas próprias de passatempos durante 10 anos a partir de 1996, com distribuição nacional pela DINAP. Professor de História-em-Quadrinhos no Brasil e em Portugal. Como autor teatral, seu drama de época “Do Claustro”, montado pela primeira vez em 2008 sob sua produção em São Paulo, foi laureado com o Prêmio Usiminas/Sinparc 2013 em Belo Horizonte como Melhor Texto Adulto (na montagem dirigida em Minas Gerais no ano de 2012 por Fernando Couto e Caio Cezar). Outros textos foram montados dentro e fora do Brasil (“Baú de Mim”, “Virgens à Deriva”, “Ao Primeiro que Viu a Maré”, “Olhar o Sol”, “Talhado Mundo”, entre outras peças teatrais). Produziu, escreveu e dirigiu alguns filmes, entre eles o curta-metragem “Hyppólita” (rodado em Guararema, SP, em 2011), que foi exibido no ShortCutz XPress Viseu, Portugal, em 2014 e o documentário “Miniaturas”, rodado em Leiria, Portugal, em 2017.

Ruy Jobim Neto
Cineasta, autor teatral e cartunista

O ALICERCE E O MUNDO
A primeira vez na vida em que se chega a Lisboa, o impacto é indescritível. Tudo,detalhe a detalhe, do aeroporto de Portela até a barra do Tejo, tudo apaixona, e vai muito além disso. É algo que atravessa a alma da gente. É o inexplicável. Já na segunda vez que se desce em Lisboa, a recordação das passagens todas reinaugura a paixão anterior, retoma, recria, afinal de contas, como nos ensina Galeano em seu “O Livro dos Abraços”, recordar vem do Latim re-cordis e significa tornar a passar pelo coração. Esse país passa pelo coração. A terceira vez que se chega a Portugal, via Lisboa (nada contra os aeroportos internacionais do Porto ou de Faro, claro), o solo sob os pés já não é apenas Portugal, mas sim o alicerce de uma casa ancestral. O alicerce do mundo. Essas três passagens pela lusa terra (dez dias em 2011, dois meses e uma semana em 2014 e 1 ano e dois meses entre 2016 e 2018) ainda me são tão impactantes que, mesmo tendo retornado ao Brasil, a lembrança dos caminhos que não são unicamente meus, mas o de toda uma civilização, crava fundo, cala fundo. É fechar os olhos e abrir a tela (o ecrã) que se desenrola em imagens feito um sonho.

Está tudo ali, da Olissipo grega, das lutas contra espanhóis em Aljubarrota, dos corvos que acompanharam o corpo de São Vicente Mártir até a lusa pátria, da Sé de Lisboa, das pedras que levam ao topo do Castelo dos Mouros, das muralhas de Óbidos, dos aquedutos romanos, do Templo de Diana em Évora, de Dona Inês e Dom Pedro no grandioso Mosteiro em Alcobaça e de seus famosos amores em Coimbra, da Biblioteca Joanina com madeirame brasileiro lavado em ouro também brasileiro, da esotérica e misteriosa serra de Sintra, do rio Guadiana imenso entre o Alentejo e a Espanha, do rio Douro atravessado pela ponte D. Luís entre o Porto e Vila Nova de Gaia, da Torre dos Clérigos, da Lello (ah!), dos moinhos de vento a norte de Loures, dos pombos em Setúbal, das falésias nos verões de águas frias em Torres Vedras, da Quinta da Regaleira e seu Poço Iniciático, do templário Convento de Cristo em Tomar, dos Pinhais do Rei queimados pelas imensas chamas em outubro de 2017, esse país que deu o mundo ao mundo arrebata.

Portugal é o mundo. É a música de Madredeus, de André Barros e Myrra Rós, de Rodrigo Leão, mesmo a música de grupos como Amor Electro, os fados de Carminho e Ana Moura tão ouvidos nas ruelas amareladas nas noites de Alfama, do jazz de Carlos Martins, das canções em inglês das belas Rita Redshoes e Emmy Curl (esta nascida Catarina Miranda, em Vila Real, nos Trás-os-Montes e a outra, nascida Rita Pereira, vinda ao mundo em Loures), da beleza e doçura do jazz de Beatriz Nunes, da voz de Teresa Salgueiro e das músicas do cancioneiro tradicional trazidas à baila pelas incontáveis tunas universitárias, Portugal é o mundo. Muito difícil falar desse país tão tocante e ao mesmo tempo tão fácil. E o seu povo, então! Um país é o seu povo, aqueles viventes que abraçam as gerações das eras passadas, os que vão aos estádios, aqueles que assistem às novelas, os que tomam o cafezinho tão diário, os que levam os pequenitos às pistas para patinar no gelo do inverno, dos filhos que estudam em Coimbra, das livrarias plenas de volumes sobre a vida de reis e rainhas.

Portugal é tão imenso, desde a tela (o ecrã) do Cinema São Jorge e seus festivais de dar água na boca, das sessões do ShortCutz e dos curtas que viajam por Cannes, Veneza, Berlim… Da programação do Cine Ideal, na rua do Loreto ali, no Chiado. Por onde se termina uma viagem assim? Ela não termina, ela é um sonho real, físico, tão físico quanto a Ponte Vasco da Gama, imensa sobre o estuário do Tejo, o mesmo que um dia viu a frota da Invencível Armada de Filipe II da Espanha sair para lutar contra Elizabeth I, a anglicana inglesa. Ulisses com certeza previu o que viria quando, como falam, fundou Lisboa, a Olissipo. Por onde terminar uma viagem assim? Ela não termina. A pátria lusa e ibérica de Camões, Vieira, Eça e Pessoa é também a nossa. Mais que uma língua, é o nosso alicerce. E o mundo.

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